Esta é uma leitura retrospectiva. O livro foi lido lá pelos idos de 2016. Ele me acompanhou em viagem ao Rio de Janeiro quando participei do curso de formação em Biblioterapia da Cristiana Seixas. Naquela época, o enfoque dos textos do blog era outro, eu ainda estava em busca de um método de leitura e não conhecia ainda o livro da Nice Menezes de Figueiredo que me salvou nesse ponto. Em um post relatando as minhas férias daquela época, eu disse que comentaria a leitura de Quarto, da Emma Donoghue e de A redoma de vidro, da Sylvia Plath.
A resenha sobre
Quarto saiu em janeiro de 2017 e foi o último post daquela temporada. A culpa eu coloquei sobre o livro de Sylvia. Eu tentei, naquela época, de todas as formas que imaginei possíveis, compreender e falar sobre A redoma de vidro. Tudo parecia insuficiente, e depois de escrito, a releitura me deixava sempre com dúvidas: estaria eu sendo injusta com a obra e a autora?
O fato é que depois do contato com essa obra, eu e o blog entramos em um momento sabático. E agora que estamos retornando, acredito que nada mais justo que falar sobre ela para inaugurar mais uma rodada de posts sobre o Setembro Amarelo.
Mas vamos à história de Esther, a personagem principal de A Redoma de Vidro, que narra sua jornada de adoecimento a partir do momento em que vence um concurso e consegue o "emprego dos sonhos" para uma garota nos Estados Unidos da década de 60.
O assunto principal são as memórias de Esther, narradas por ela mesma em primeira pessoa. Logo, as memórias tratam do seu adoecimento, e podemos dizer que são vários os assuntos abordados: depressão, suicídio, luto, relação mãe e filha, saudades do pai, relacionamentos com namorados, as expectativas para a vida de uma mulher naquela época...

A narrativa é realista e pode ser lida sem grandes esforços pelo leitor comum. A metáfora da redoma de vidro para descrever o estado da mente da pessoa depressiva é talvez uma das mais belas e eficientes de todas aquelas que eu já encontrei. Para o quesito de compreensão da natureza humana, algo que a biblioterapia pode e deve tratar, eu recomendaria este livro a pessoas que convivem diariamente com alguém depressivo mas que não conseguem compreender o que se passa com aquele alguém.
O livro pode ser encarado de forma provocadora de pensamentos, sensibilizando as pessoas que não conseguem compreender o adoecimento da mente e despertando empatia por outros que passam por esse problema. É uma leitura sensibilizante, porém tenho minhas reservas para dizer que pode ser uma leitura de fruição e eu imagino que quem quer trabalhar com essa obra deva considerar o estado que se encontra o leitor, pois ao invés de aproveitar a leitura, ele pode se sentir até mesmo penalizado por ela.
Alguns sintomas da depressão são expressos por Sylvia de uma forma muito leve e bonita, como na passagem abaixo, em que a personagem Esther narra o conflito interno de se perceber incapaz de conseguir manter o ritmo de vida que tinha imposto a si mesma por um longo período de tempo.
"...eu estava me sentindo bem deprimida. Tinha sido desmascarada naquela manhã pela própria Jota Cê e agora sentia que todas as suspeitas desconfortáveis que eu sempre tivera a respeito de mim mesma estavam virando realidade, e eu não conseguiria esconder a verdade por muito mais tempo. Depois de dezenove anos lutando por boas notas, prêmios e bolsas, eu estava me deixando vencer, diminuindo o ritmo, caindo fora da corrida" (p. 36)
Ou logo adiante, ainda no mesmo capítulo, quando descreve o sentimento de impotência que faz com que a pessoa que sofre de depressão não consiga ter energia, nem sentir qualquer tipo de ânimo para fazer nada:
"... fiquei me perguntando por que eu não conseguia mais cumprir as minhas obrigações até o fim. Isso me deixou triste e cansada. Então eu me perguntei por que eu também não conseguia deixar de cumprir minhas obrigações até o fim, do jeito que Doreen fazia, e isso me deixou mais triste e cansada ainda" (p. 37)
Uma passagem que eu achei particularmente encantadora, Esther ganha de presente um livro. Arrisco-me a dizer, que a personagem sentiu uma possibilidade de fuga, um alívio, por um momento, dos sentimentos que a depressão provoca. Parece-me a biblioterapia dentro de um livro para biblioterapia.
"Achei a história adorável, principalmente a parte que descrevia a figueira cheia de neve durante o inverno, e depois, na primavera, cheia de frutas verdes. Foi triste chegar à página final. Eu queria me enfiar entre aquelas linhas impressas do jeito que a gente atravessa uma cerca e ir dormir debaixo daquela linda e imensa figueira" (p. 64)
Quanto descanso podemos encontrar nas linhas de um livro? Como ele pode nos tocar de forma tão profunda, e nos mobilizar mesmo que seja para a fuga. Alguns dirão que o sentimento de fuga é prejudicial, mas percebam: Esther queria fugir da doença para a vida. Há algo de absolutamente encantador na figura das árvores. Elas criam raízes profundas, se alimentam de água e terra e dão de comer a bichos, homens e pássaros. Seus galhos oferecem sombra aos caminhantes, e também abrigo aos pássaros para que construam seus ninhos. Esther queria fugir para aquele livro, mas sobretudo, parece-me que ela queria fugir para um estado de vida mais saudável e conectado com seus próprios ritmos interiores.