Ana Cássia Rebelo, é moçambicana, advogada, mãe de três filhos e mora em Lisboa. Convive com o tédio, a depressão, a rotina pesada, o saudosismo e relata tudo isso no blog que tem o mesmo nome do livro. (O blog era público, agora está aberto apenas para convidados, deixo o link caso um dia ele volte a ser público).
A autora relata seus dramas em posts curtos e logo no princípio do livro descobrimos que ela tentou suicídio, e que essa ainda é uma ideia recorrente na vida dela. Um exemplo é quando ela relata que rouba pílulas de sua mãe e as guarda em uma caixinha rosa no armário do banheiro, como que por segurança, caso a existência se torne insuportável novamente. Ao contrário do que vemos em livros como Anna Kariênina e Madame Bovary (deste ainda vamos falar, se tudo der certo, na semana que vem), o suicídio em Ana de Amsterdam não é efetivado, ele é falho. Ana tenta, mas não consegue dar um fim em sua própria existência. Ela então fala ao blog, como fala mesmo a um diário.
6 de junho de 2007 - "Faz hoje um ano que tomei uma caixa de Xanax", digo ao empregado do bar. Depois calo-me, estranhando as palavras que se soltaram da minha boca. Nunca ninguém me fala desse dia. Nem meu marido, nem meus irmãos. Nem os meus pais. Nem a única amiga que tenho. É como se não existisse. Como seu outra, que não eu, tivesse naquele dia rondado o bairro de Chelas à procura de espantar a dor para os homens que, sonolentos, despertavam para a manhã. Como se outra que não eu, tivesse escutado os renhaus dengosos que as mulheres lançavam das janelas dos prédios de habitação social. Às vezes tenho a sensação de que aquele dia só existiu para mim e para mais ninguém. Por isso celebro sem que ninguém o saiba, bebendo ao final do dia, num bar da rua de São Paulo.[...]
Nos casos em que a morte não acontece, o livro Ana de Amsterdam pode dar uma boa ideia do que se passa com a pessoa, tanto os sentimentos que ela tem sobre ela mesma, tanto aqueles que ela tem sobre as pessoas com quem se relaciona. Percebe-se que a vontade de morte, a percepção de que a morte é um fim de sofrimento não é afugentada pela tentativa infrutífera, ela continua ali sempre no caminho daquelas pessoas. Mesmo após a falha e suas consequências, o desejo pela morte continua ali. E é no próprio relato de Ana que podemos talvez começar a compreender o motivo: excetuando-se os profissionais de saúde e o grupo de apoio, quase ninguém mais está disposto a falar sobre o suicídio.
Determinam os panfletos da sala de espera e do quadro de recados da igreja do bairro, onde no salão paroquial grupos de apoio se reúnem, que se fale abertamente sobre o suicídio. Ora, ignorando as cartilhas do CVV's e dos Samaritanos, ninguém fala abertamente sobre o suicídio com o suicida. As pessoas que convivem com os suicidas tendem a forçar o esquecimento, provocando um emudecimento de sentimentos que deveriam ser discutidos. Suicidas precisam falar, precisam ser ouvidos. Aos ouvintes cabe apenas ouvir com o ouvido atento, sem procurar por soluções para os problemas dos outros.
Amigos e famílias também podem sentir vergonha pelo tabu do suicídio. A vergonha poderá ser de si mesmo, pela incapacidade de perceber o real estado de espírito daquele que atentou contra a própria vida, ou poderá ser uma vergonha social, provocada pelo medo do julgamento daqueles que pensam que suicidas são loucos, e estigmatizam essas pessoas e suas famílias, condenando-as a uma existência à margem do social.
Terça -feira próxima, falaremos de um outro caso não concretizado, um pouco mais ficcional que Ana de Amsterdam! Falaremos sobre a tentativa de suicídio em Americanah!
Um grande abraço até lá!

O suicídio é mesmo um assunto delicado, ninguém sabe muito como lidar com ele, nem o suicida, nem as pessoas próximas :(
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