Este deveria ser mais um post sobre o setembro amarelo, sobre o suicídio e as formas como ele foi abordado na literatura. Ele não deixará de ser sobre isso, mas veremos muito mais em Madame Bovary!
A obra prima do escritor Gustave Flaubert (1821-1880), foi um escândalo na época de sua publicação por causa da abordagem do adultério, tendo sido o suicídio apresentado como um fim merecido para uma mulher adultera. Mas, os tempos mudaram e, se não é menos trágico ver um casamento ruindo e casais se separando, podemos dizer que nosso olhar se condicionou e hoje achamos esse evento (o adultério) um pouco menos escandaloso. O que nos leva direto ao tópico: como podemos ver Madame Bovary, hoje, em 2016?
O romance foi publicado em 1857, portanto, 159 anos atrás. Poderíamos argumentar que não é tanto tempo assim, mas, dadas as mudanças velozes que temos visto em nosso modo de vida nos últimos 20 anos, 159 anos atrás é muito tempo passando. Se naquela época toda a informação era publicada em livros, jornais e folhetins, hoje, uma verdadeira onda meios de comunicação invade nossas vidas, sejam eles escritos, fotografados, filmados por atores, jornalistas, artistas ou por gente como eu e você.
Se restringirmos o assunto um pouco mais, veremos que consumimos informações, consumimos produtos e muitas vezes ainda consumimos informações sobre produtos. Estamos acostumados a frases de efeito como "tem que ter", vindas de blogs e posts de sites. Alguns destes, entretanto (sem contar em todos os trabalhos acadêmicos que visam estudar as relações de consumo), tem tomado conta das nossas telas tentando nos alertar sobre como temos consumido mal e gastado sem a devida parcimônia nosso tão suado dinheiro.
Pois eu deveria lhes dizer que mesmo seguindo vários desses sites e blogs, nada me pareceu tão eficaz ao alertar sobre os malefícios do consumismo como a obra hoje tratada.
Mas, vamos começar a história de Emma pelo começo, por um questão de princípio. Emma foi educada em um colégio interno de freiras, e lia romances às escondidas, pois os mesmos eram proibidos, e só chegavam às mãos das alunas quando eram contrabandeados para dentro do colégio por alguma funcionária. É por meio desses romances que Emma começa a elaborar suas fantasias sobre o amor. Quando sai do colégio e vai morar com o seu pai, Emma conhece Charles Bovary, se casa com ele, ansiando encontrar naquela relação a alegria que (de acordo com os romances) o amor deveria proporcionar.
Mas não é bem isso que acontece, e, entediada, Emma retorna à leitura. Tendo um dia sido convidado para um baile em um castelo de um nobre que morava nas imediações de sua casa, o casal Bovary comparece e aquele se torna um divisor de águas para a vida da esposa. Diante da opulência da vida daquela pessoas, de uma sociedade à qual ela não pertence, Emma adoece, pesarosa por não ter feito uma escolha melhor no casamento.
A família, então, se muda em busca de tratamento para Emma, mas o que acontece é que ela conhece um rapaz, e se deixa seduzir duplamente: por ele e pela ideia de felicidade que ela merece ter. Eu poderia continuar narrando a história com mais alguns detalhes, mas em resumo, Emma dialoga com duas ideias: merece ser mais amada e viver com maior conforto. Em busca disso, ela se arrisca em casos extraconjugais e gasta o dinheiro de seu marido em prazeres que são apenas para si própria: vestidos da ultima moda, novos estofamentos em poltronas e até mesmo alugando quartos em hotéis caros na cidade para passar o dia com seu último amante.
Mas, o dinheiro acaba-se rápido e aquela que viria a ser a precursora do tão assustador cartão de crédito é então usada para conseguir mais dinheiro (com juros que sempre crescem numa velocidade estonteante): a nota promissória. Emma assina uma nota atrás da outra, sempre prorrogando o pagamento e aumentando os juros. Da mesma forma que pagar sempre o mínimo da fatura não é uma boa ideia, renovar promissórias não também não foi, e quando Emma é levada à justiça por não honrar suas dívidas, sem ter de onde tirar mais recursos, se desespera e comete suicídio.
Confesso que encerrando a leitura dessa obra, não vejo muitas diferenças entre Emma e qualquer um de nós, que passeia pelas vitrines de um shopping, e acredita que merece um novo sapato, pois o dia foi ruim e você merece que ele termine bem. Ou, que compra um novo vestido por que o dia foi bom e você merece celebrar. Parece-me que nos últimos 159 anos estivemos trabalhando na elaboração de um vínculo indissolúvel entre sentimento e dinheiro. Consideramo-nos sempre merecedores de mais, como se o mundo fosse um devedor eterno e tivesse o dever de nos recompensar com coisas (mercadorias) por nossa maravilhosa existência. Como se nós fossemos uma dádiva para o mundo e não o contrário!
Podemos tomar de Emma algumas lições práticas como: não gastar mais do que ganhamos, não gastar para melhorar de uma tristeza nem para celebrar uma conquista. Mas acima de tudo, deveríamos aprender com Emma a ter uma visão mais adequada de nós mesmos, esperando sempre o melhor da vida, mas sem nos entristecer quando a vida parecer apenas um pouco menos animada! Deveríamos aprender com Emma a cuidar melhor da nossa grama e parar de olhar tanto a grama do vizinho.
Uma abraço e até a próxima sessão!

