quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A biblioterapia, ou como ser restaurado por meio da leitura

Estabelecemos relações com determinadas histórias. Algumas relações são de amor, outras de ódio. As histórias podem ser as mais variadas, como por exemplo, aquele "causo" contado pelo avô, que você nunca mais esqueceu.

O fato é que, ao ouvir e ler histórias, nos conectamos de duas formas: uma com um mundo exterior, diverso, diferente de nós. E outra com nosso mundo interior. Ao conhecer uma nova história, aprendemos a ressignificar nosso mundo. Não são apenas palavras novas que entram em nosso vocabulário, mas uma riqueza de histórias de vida, que podem ter ocorrido a muito tempo, em lugares distântes, mas que se conectam com a gente, e nos ajudam a interpretar um fato, um evento marcante da vida. Muitas vezes, ouvimos de leitores, que tinham uma opinião formada sobre um determinado fato, mas que, ao conhecer um novo livro, e seu personagem, e se colocar no lugar do outro, construiu um entendimento mais ameno sobre as mazelas humanas.
"Além do prazer do texto, a leitura oferece para o leitor, por identificação e cooperação textual, por apropriação e projeção, a possibilidade de descobrir uma segurança material e econômica, uma segurança emocional, uma alternativa à realidade, uma catarse dos conflitos e da agressividade, uma segurança espiritual, um sentimento de pertencimento, a abertura a outras culturas, sentimentos de amor, o engajamento na ação, valores individuais e pessoais, a superação das dificuldades etc." (OUAKNIN, 1996, p. 18)
Quantas vezes sentimos sentimentos que não conseguimos definir, por não conhecer as palavras que poderiam expressá-los? Vejamos a seguinte passagem, tomada de empréstimo de Elisa Lispector (2005), no livro No exílio: 

Sente desabrochar em si algo assim como uma flor estranha, selvagem, que a apavora e deslumbra a um tempo. Tem sonhos esquisitos, e tristezas súbitas. Não raro contempla o próprio corpo com sensação nova e temerosa. O corpo magro entra em floração. A mente, habituada aos longos solilóquios, começa a tecer a fascinante trama. Com a atenção e os sentidos alertados, tateia, à procura de uma aplicação para as energias em ebulição, mas por toda a parte encontra portas fechadas.

Lizza, uma das personagens do livro, após sair, em fuga, pela Europa, com os pais e as irmãs, depois de enfrentarem fome, frio e doenças, chegam ao Brasil. Lizza, que saiu menina, chega uma pré-adolescente que deve, na ausência da mãe que está doente, cuidar das irmãs e do pai. Depois de todos os quiproquós de instalar-se no Brasil com  família,  Lizza tem, finalmente, tempo e disposição de espírito para prestar atenção em algo em si que não seja fome, nem frio, nem sujeira. Percebe o chegar da puberdade, mas não sabe o que é isso, portanto podemos dizer que Lizza sente, mas não compreende o que sente pois não consegue nomear o que sente. 

Quantas vezes estamos na vida como Lizza nesse momento, sentindo coisas que não conseguimos denominar? A leitura, como uma forma de biblioterapia pode ajudar pessoas a formularem com mais propriedade aquilo que elas sentem , por meio de alguns processos, como a introspecção e a cartase, mas isso é assunto para outro post!

Um grande abraço e até a próxima sessão!

Fonte: OUAKNIN, Marc-alain. Biblioterapia. São Paulo: Loyola, 1996. 341 p. Tradução de: Nicolás Niymi Campanário.
LISPECTOR, Elisa. No exílio. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. 206 p.

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