Este post que escrevo agora deveria ter sido publicado em setembro, como uma forma de fazer parte da campanha do setembro amarelo. O que aconteceu foi que eu não consegui escrever o que eu queria, da forma como eu queria ou imaginava que queria. Pretendo fazer um post com um balanço do LOSO, enquanto ferramenta para análise de textos. Ele é um bom guia para ser produtivo, mas senti que meus textos estavam ficando superficiais demais.
Esse é o primeiro texto na categoria não ficção que será analisado. Quarto de Despejo foi lançado em 1960. Trata-se de uma mistura de diário com autobiografia, escrito por Carolina Maria de Jesus, uma mulher, negra, mineira da cidade de Sacramento, moradora da favela do Canindé em São Paulo. Mãe solteira de três crianças, catadora de lixo.
O traço mais marcante do texto, é a combinação entre a inadequação à norma culta da língua portuguesa (compreensível uma vez que considera-se a baixa escolaridade da autora, que frequentou a escola somente até o segundo ano do ensino primário) e a adequação do conteúdo ao momento social e político dos moradores da favela e da cidade de São Paulo .
Carolina compõe um texto que pode ser lido de muitas formas: a preocupação da mãe com a subsistência dos filhos, a preocupação da cidadã com o futuro político do país, a olhar da vizinha Carolina sobre o cotidiano da favela. Fome, política, futebol, o amor aos livros, a rotina de dona de casa na favela, tudo isso passa como fios narrativos de uma existência que poucos imaginariam tão rica e diversa.
Em tempos onde o preconceito tem descaradamente dado as caras, onde conclamamos a todos que se escondiam para saírem do armário e agora imploramos em orações e hashtags que fascistas, xenófobos e preconceituosos de qualquer natureza sejam abduzidos de nosso cotidiano ou voltem para o armário que lhes cabe, penso que Quarto de Despejo seja um livro para sensibilizar e humanizar o outro e a nós mesmos. Carolina merece ser lembrada com lugar de destaque por sua coragem e resiliência, mas quem se dispuser a ter simpatia pelo humano Carolina e não pelo quase-mito Carolina encontrará uma pessoa que lhe fará compreender que um rótulo não nos define, e que também um rótulo não pode definir o outro, ou corremos o risco de nos tornar quem nós criticamos, corremos o risco de ser os algozes de nossos algozes...